"A ficção serviu para credibilizar a realidade"
Três jornalistas para mil e uma histórias de um Portugal amargurado na crise da ocupação da troika. João Almeida Dias (na altura, freelancer em fase errática) e Rita Ferreira (pediu licença sem vencimento da redação da TVI) sob orientação de Maria José Oliveira, a muito falada jornalista que se afastou do Público em sequência do caso Miguel Relvas, forneceram material ao comité central de argumentistas de As Mil e uma Noites para ser convertido em cinema de ficção ou documental. Foram apelidados de jornalistas da campainha cor-de-rosa. O jornalismo ao serviço do cinema-verdade e encantando. O DN deu-lhes a palavra.
Qual foi a ideia de Miguel Gomes em concreto quando chamou jornalistas para lhe providenciar histórias para As Mil e uma Noites?
Maria José Oliveira (M.J.O.)- O processo de passarmos as histórias que escrevemos para o site do filme e depois para o comité central é mesmo todo do Miguel. A ideia era acompanhar tudo em tempo real, ou seja, as coisas estavam a acontecer e nós íamos para os locais durante 12 meses, sempre com o Miguel ao nosso lado na pequena redação na produtora. Andámos realmente muito no terreno.
Estamos em outubro de 2015. Aquilo que sentiram do Portugal real em 2013 e 2014 acham que teve um fator temporal ou ainda hoje poderiam estar a encontrar o mesmo tipo de casos e de histórias?
M.J.O. - Por um defeito de profissão estamos sempre atentos e às vezes enviamos mensagens uns aos outros que isto ou aquilo era perfeito para o filme.
João Almeida Dias (J.A.D.) - Por exemplo esta coisa do padre de Canelas que foi expulso...
M.J.O. - Podíamos ter continuado para além de 2014. Há sempre matéria e não é só em Portugal. O que nós fizemos também resultaria lá fora. Quando o The New York Times veio até à rodagem fazer a reportagem soubemos que um jornalista da redação dizia à correspondente que cá veio que era incrível como os americanos, com indústria de cinema, nunca se tenham lembrado de fazer algo parecido.
Rita Ferreira (R.F.) - É um nicho de mercado que nunca foi explorado, jornalistas a trabalhar para o cinema.
M.J.O. - Em Portugal, sinceramente, creio que não voltará a acontecer. Creio que mesmo para documentários a procura e a pesquisa é feita pelos próprios cineastas e pelos académicos. E eles estão mais distantes dos jornalistas, que vão para o terreno e falam com as pessoas.
R.F. - Convém referir que era muito complicado dizer às pessoas o que estávamos a fazer. Tínhamos sempre de dizer que éramos jornalistas, que trabalhávamos para o filme, mas também iria ser publicado, mas que poderia não ficar no filme, etc.